Artigo | Psiquiatra João Adolfo Mayer fala sobre distúrbios de personalidade carente de afeto


É do âmbito da psicologia do normal o homem, como ser social, necessitar e buscar afeto, desejar aprovação, reconhecimento, admiração elogiosa do grupo social a que pertence ou deseja fazer parte. Tais anseios, quando satisfeitos, o fazem sentir-se de certa forma singular, especial, integrante e integrado ao grupo, bem como não anônimo, percebido, notado de forma positiva, visível socialmente.

Existem pessoas, no entanto, que agem e se comportam, no dia a dia, como “famintos insaciáveis” quanto a essas necessidades. Em uma carência afetiva constante, tudo fazem para ser o centro das atenções. Na ânsia de admiração incondicional comportam-se de maneira exageradamente sedutora, pueril, teatral, despojada de autocrítica, da noção do ridículo e, muitas vezes, sem valores éticos, nessa busca compulsiva de visibilidade social. O exagero apelativo de chamar atenção a todo custo, de ser sempre o centro das atenções, de ser admirada a qualquer preço, de ser aplaudida de forma incondicional por novas legiões de fãs se revelam na forma de se comportar socialmente, na pseudo modéstia, na condição de vítima de traumas fantasiosos ou ampliados, no falar sofisticado, no gesticular afetado e no vestir muitas vezes carente de auto crítica. É o pseudo ator ou pseudo atriz, na busca constante e mutável de um novo palco, de novos admiradores e de novos aplausos.

A superficialidade afetiva de seus relacionamentos, a teatralidade com que tenta exibir afetos não existentes de forma verdadeira em seu Eu, o representar para conquistar, o enganar para se sentir superior, as mitomanias (mentiras patológicas), a imaturidade sexual frente à necessidade de seduzir, em um jogo doentio de tudo querer e nada satisfazer, são aspectos importantes da forma de agir e atuar socialmente dessas personalidades, portadoras de um distúrbio denominado “carente de afeto”. Tal distúrbio de personalidade acomete homens e mulheres, sendo prevalente no sexo feminino. Nele, a fantasia sobrepuja a realidade, mentiras são relatadas como verdades em uma mistura cênica teatral, acarretando sofrimento individual e social. As personalidades carentes de afeto são insaciáveis e nada é capaz de preencher esse vazio afetivo que fazem desses um saco sem fundo. Sua capacidade de induzir no outro sentimento de culpa, por não ter sido capaz de preencher esse vazio afetivo existente nelas, faz parte de um jogo, onde essa personalidade carente de afeto, a nível de seu imaginário, sempre dita as cartas e ganha o jogo.

Há nessas personalidades um desejo premente de controlar o outro, de ter o outro sob seu domínio e rédeas. Seu gozo reside muito ai, o outro, presa masoquista da personalidade carente de afeto, sempre deverá estar disponível para o exercício do seu sadismo camuflado. O “outro” só existe até quando lhe é espelho, pois essas personalidades não beijam o “outro”, se beijam no outro e estão sempre necessitando mudar de parceiro ou parceira tendo como justificativa a incapacidade do outro de preencher essa sua falta, essa sua lacuna afetiva. São predadores afetivos, portadores de uma fome que não sacia.

Os efeitos benéficos e reestruturadores dessas personalidades através de modalidades diversas de psicoterapia necessitam ainda de uma melhor validação quanto a sua eficácia terapêutica, devido à necessidade compulsiva dessas personalidades carentes de afeto, de simular, enganar, teatralizar, e a dificuldade de estabelecer um vínculo terapêutico autêntico e duradouro com o psicoterapeuta.

Como tais personalidades estão sujeitas as oscilações de humor, picos depressivos, explosividade fácil, crises de ansiedade, somatizações, sintomas conversivos (paralisias, parestesias, mudez, tempestade de movimentos, entre outros), o uso de ansiolíticos ou antidepressivos se impõe. Medidas psicopedagógicas de cunho educativo são também indicadas. É, ainda, de suma importância fazer o diagnóstico diferencial entre os distúrbios de personalidade histriônicos e aqueles causados por doença orgânica de causas as mais diversas.

As teorias que procuram explicar esse distúrbio de personalidade a partir de fatores predisposicionais (genéticos ou biológicos), circunstâncias ambientais ou pela psicodinâmica individual ou familiar, são ainda motivo de acirradas polêmicas, tanto na Psiquiatria quanto na Psicologia contemporâneas. Daí dizer-se que o distúrbio de personalidade do tipo carente de afeto ou histriônico é ainda um enigma(Esfinge). Tentar decifrá-la muitas vezes acarretará em permanecer nesse jogo patológico a custa de muito sofrimento e consequências danosas ao “outro”.



João Adolfo Mayer é médico psiquiatra, professor aposentado da UFCG e atualmente docente do curso de Medicina da FCM de Campina Grande.
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