O ciúme compreende um conjunto de emoções que podem se fazer presentes em qualquer pessoa, dai pertencer ao campo que denominamos de "vivências afetivas normais". Por isso é difícil, em muitos casos, distinguir o ciúme normal do patológico. As definições de ciúme são muitas, tendo em comum três elementos: ser uma reação frente a uma ameaça de perda, concreta ou imaginada, de um vínculo afetivo, haver um rival real ou fantasiado e visar eliminar os riscos da perda da pessoa ou objeto amado.
A maneira como o ciúme é visto tem variações importantes nas diferentes culturas e épocas. No século XIV relacionava-se à paixão, devoção e zelo, e à necessidade de preservar algo importante, sem conotações pejorativas de possessividade e desconfiança. Nas sociedades monogâmicas o ciúme se associa à honra, à moral, sendo até um instrumento de proteção da família e da necessidade de garantia de paternidade. Na atualidade existe uma ambivalência quanto à maneira de se perceber o ciúme, ora sendo considerado um sinal de amor, zelo e valorização do parceiro(a), ora como demonstração de fraqueza, insegurança, imaturidade e baixa auto-estima. Entretanto, há unanimidade quanto à existência de um ciúme que, por suas manifestações, se afasta da normalidade estatística e adentra no terreno da patologia. Dele resultam muitos casos de agressões violentas, mortes e tragédias familiares, que apresentam como pano de fundo esse adoecer psíquico, também chamado de Síndrome de Otelo.
Mas como saber se o ciúme é normal ou patológico? O ciúme normal é transitório, baseado em fatos reais e evidências concretas, e busca preservar o relacionamento. Já no ciúme patológico há a fantasia de perda ou abandono sem motivo real que se faz acompanhar da existência imaginária de um(a) rival que ameaça a estabilidade do vínculo afetivo mantido com a outra pessoa. O conceito de Ciúme Mórbido ou Patológico compreende vários sentimentos perturbadores que envolvem medo de perder o(a) parceiro(a) para um(a) rival e desconfianças excessivas e infundadas, gerando significativos prejuízos no relacionamento interpessoal. Alguns autores não consideram fundamental para o diagnóstico a crença superestimada da infidelidade, sendo mais importante o medo irracional, imotivado, da perda da pessoa amada ou de que o espaço afetivo vivido por ele possa vir ser ocupado pelo rival imaginado ou fantasiado.
Para a psiquiatria o ciúme patológico é visto como sintoma de diversos distúrbios tais como transtornos de personalidade, doenças físicas de várias naturezas, alcoolismo e algumas enfermidades psiquiátricas como a esquizofrenia, os delírios agudos e a paranóia, entre outras. No ciúme patológico várias emoções são experimentadas, como ansiedade, depressão, raiva, vergonha, insegurança, humilhação, perplexidade, culpa e desejo de vingança. Pessoas acometidas de ciúme patológico são extremamente sensíveis, vulneráveis, desconfiadas, e possuem baixa auto-estima. Apresentam comportamentos egoístas, agressivos ou destrutivos ao se imaginarem perdedores ou prestes a perder algo que é tido por eles como algo de sua exclusividade absoluta.
São bastante conhecidos os delírios de ciúme de alcoolistas, ao ponto desse sintoma ter sido considerado, durante algum tempo e por alguns autores, característico do alcoolismo crônico. Nas mulheres, em fases de menor interesse sexual ou de redução da atratividade física, como ocorre na gravidez e menopausa, a redução da auto-estima se faz presente, aumentando a insegurança e podendo desencadear o ciúme patológico.
Na prática clínica do Psiquiatra, o primeiro ponto importante para detectar o "ciúme patológico” é avaliar a veracidade e racionalidade ou não das queixas do paciente, assim como o grau de limitação ou prejuízo que acarretam. A seguir, deve-se identificar a natureza psicopatológica do sintoma para verificar que se trata de uma "idéia obsessiva"(fora do campo da vontade individual, ilógica e repetitiva) ou " sobrevalorizada" (de intensa matriz afetiva que amplia ou distorce o conteúdo ideativo), de uma "idéia delirante"(incompreensibilidade psicológica, irredutível à argumentação lógica e intensa convicção por parte do paciente) ou deliróide" (psicologicamente compreensível e redutível através da argumentação lógica). Neste sentido, é fundamental avaliar a capacidade de crítica do indivíduo em relação às suas preocupações de infidelidade ou de perda, bem como as relações das mesmas com fatos reais vivenciados pelo mesmo.
O terceiro aspecto seria a busca do diagnóstico responsável pelo ciúme patológico. Além da análise dos sintomas, investigação da natureza da preocupação de ciúme e da força da crença, é fundamental avaliar também o sofrimento gerado tanto para o indivíduo quanto para o cônjuge, bem como a intensidade de prejuízo no trabalho, na vida conjugal, no lazer e na sociabilidade, avaliando ainda o risco de atos agressivos ou violentos. Deve-se ainda levar em conta os fatores de predisposição emocional, como por exemplo, os sentimentos de inferioridade e insegurança, os transtornos psicológicos atuais ou anteriores, as experiências passadas de separação ou traição, traumas oriundos de relacionamento conflituoso dos pais e mudanças comportamentais provocativas do cônjuge. É sempre necessária uma avaliação cuidadosa e global em cada caso.
De algum tempo para cá, vários autores têm sugerido a relação entre ciúme patológico e o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). É importante ressaltar que em estudos sobre o TOC e seu espectro, o tema do ciúme patológico é pouco abordado, possivelmente por não ser um sintoma muito típico, e sejam necessárias novas pesquisas científicas sobre o tema aqui abordado para um melhor esclarecimento entre o ciúme patológico e o TOC.
Quanto ao tratamento do paciente acometido de ciúme patológico, devido às oscilações de humor, crises depressivas associadas à ansiedade intensa, episódios de agressividade ou violência destrutiva podendo culminar com homicídio ou tentativas de homicídio, presença de idéias delirantes ou sobrevalorizadas, conflitos, das mais diversas naturezas, vivenciados nas relações afetivas e as levando ao rompimento e dificuldades, tanto no trabalho quanto nos contatos sociais, impõe a necessidade de uma psicoterapia do indivíduo com ciúme patológico psicoterapia associada, segundo critério do médico Psiquiatra, a antidepressivos, ansiolíticos, estabilizadores do humor ou neurolépticos.
João Adolfo Mayer é médico psiquiatra, professor aposentado da UFCG e atualmente docente do curso de Medicina da FCM de Campina Grande.