Opinião & Memória | Escritor João Matias relembra antigos protestos realizados em Campina Grande


Lembro com alguma clareza, parte fugaz da memória, daquele último protesto contra o aumento das passagens em Campina Grande. Era meio-dia quando policiais cercaram os que julgavam ser os líderes da movimentação e foram para cima dos manifestantes. Sem dó. Até uma moça foi revistada por policiais (do sexo masculino), sobrepondo-se a qualquer lei, sobretudo à lei que eles buscam manter. Até onde vai a memória?

Faz tempo: há cinco anos atrás este grupo cercado foi autuado, levado à delegacia, todos presos por desacato a autoridade e suposta depredação do patrimônio público dentro de um terminal de integração que permaneceu intocado. As acusações não vinham somente da polícia, mas da imprensa e dos setores oficiais responsáveis por repassar a informação como convém à imprensa, ao Estado, aos policiais e, por que não, ao empresariado dos transportes? Após as demonstrações de violência, protestos ocorreram, dias após, contra a atitude abusiva destes policiais: uma encenação teatral da tragédia por abuso de força policial foi levada à termo pelo Teatro do Oprimido em plena Floriano Peixoto, ali no cruzamento do lado da Praça da Bandeira, mudando todo o fluxo de carros e ônibus. O coração da cidade, por 1 hora e meia. Nenhum policial comparece este dia.

Estudante de jornalismo, não sem a mais absoluta vergonha escrevi um texto que, infelizmente, nesta era dos pen-drives e hard-discs de plástico, perdeu-se. A vergonha tinha mais de 140 caracteres e não queria falar sobre violência policial. A vergonha queria falar da imprensa, com holofotes de factóides tomando a atenção e a guarda dos fardados abraçando causas cívicas como revistar mulheres estudantes e agredir fisicamente os que julgavam os líderes de um suposto terrorismo no terminal de integração. Foram algumas páginas lidas nos jornais de um dia para o outro que fizeram minha parcela de reserva contra um certo jornalismo local.

Alguns jornais acusavam os estudantes de revidar à ofensiva policial com pedras, paralelepípedos (?). E estes supostos revidantes também se utilizavam de pedaços de pau (?). A desobediência foi tamanha que depredaram a integração (?). Quebraram bancos (?). Baixaram a desordem no sol do meio-dia que, tal o estado da integração logo após, ninguém suspeitava ter ocorrido tamanha desgraça – inclusive pelo fato de no terminal simplesmente não existir nem paralelepípedos, nem tampouco pedaços de pau. Nenhum banco entardeceu quebrado. Qualquer banheiro, ônibus, grades, sob olhos dos passantes, entardeceu sem alteração antes e depois da manifestação. Faz tempo: cinco anos!

No dia após a manifestação, havia mesmo um artigo de opinião dizendo quanto o estudante, possuindo o direito da meia-entrada, paga e pagará com o aumento da passagem – com o devido desconto de que, caso pegasse dois ônibus, seria mais barato. Assim, despretensiosamente, como quem não diz nada.

Faz tempo: alguns jornais justificavam a ofensiva policial com paralelepípedos onde sequer existiam, agrediam o leitor com impossíveis pedaços de pau, quebravam os bancos de uma integração que permaneceu inteira, narrando um caos aproximado de um entardecer em gaza. E aqueles policiais, sempre com a razão. Mas, a quem interessa mesmo as palavras do noticiário, dos jornais que narram tragédias, das justificativas de ofensivas, dos malabarismos linguísticos cujo significado “vândalo”, “caos” e “tragédia” não distingue e, ao contrário, generaliza?

Mea culpa: havia policiais que não estavam lá. Aliás, já vi policiais em Campina Grande dando proteção à movimentação contra o aumento da passagem em frente o Sitrans. Isso mesmo, proteção e controle. Já participei de manifestações pacíficas e, em outros casos, vi oportunistas cujo interesse na causa era o menos esclarecido e honesto, ao depredar e chegar ao extremo da agressão. Nessa memória você vê de tudo. Trago, porém, poucas boas lembranças do exercício da imprensa nestes casos.

Mas não custa lembrar: o que São Paulo e a cobertura das manifestações tem a nos ensinar?

          Pois é, faz tempo.

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