Subversão, uma letra de Gonzaguinha e uma voz inebriante no quintal de Adília Uchôa

Adília Uchôa

Tenho usado essa palavra ultimamente: subversivo. Acho subversivo poder usar “subversivo”. Por isso escrevo o texto no verso de uma folha riscada, com um grafite de borracha já comida na ponta. Mais subversivo impossível.

Também tenho me subvertido.

Paro de escrever. Corro atrás de mim até minha casa. Não me acho. Silenciosamente parabenizo minha capacidade de estar perdido. Nunca fui modesto.

Paraliso.

Os meus olhos se fecham, a boca dela se abre.

Pensei que fosse Maysa, ela pensou que eu não havia.

Mas eu a via. Via os olhos de Adília.

Os dois olhos de Adília se espremem, querem-se dormindo, querem a paz que ela conhecia. Mas o que queria Adília? A boca permanece aberta, e eu permaneço paralisado.

A voz de Adília gira ao meu redor, quer me abraçar. Eu dou tapas no ar, quero espantá-la. Não a alcanço. A voz gira agora ao redor do meu pescoço, dá um nó nessa garganta, eu seguro. Tento engoli-la, mas a voz sobe, viscosa, quer sair pelos meus olhos. Eles estão fechados. Então descobre os meus ouvidos. Sai pelos dois, em harmonia. A voz de Adília está cansada, nada unida. Enfim chega, destruída, no topo da minha cabeça. Num agudo tímido, sentido, faz-me cafuné.

Adília ri! Tenho raiva de Adília por dois segundos, mas passa. Tento achá-la, mas seus olhos semicerrados só me barram. Peço a Adília que me diga. “Diga-me, Adília”. Sua voz manda um filete que desce pela minha testa, e para na minha boca; estou calado. Será o amor nos olhos de Adília?

A voz começa a virar fumaça, está em todo lugar. Onde está Adília? Adília! Adília!

A névoa se dissipa e estou sozinho de novo. Arrependo-me do abraço não dado.

Onde está Adília?

Sinto saudades dela, e daquele tempo. Daqueles três minutos durante os quais eu parei de me procurar...


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