Sétima Arte | 'O Fabuloso Destino de Amélie Poulain' é tema da coluna de Ivã Barbosa Luciano


O longa-metragem 'O Fabuloso Destino de Amélie Poulain' do diretor francês Jean-Pierre Jeunet consegue ser mais fabuloso do que o seu próprio nome possa caracterizar não só pela belíssima fotografia, pela estupenda trilha sonora (Yann Tiersen) – uma das mais belas e mais encaixadas que já pude notar nos filmes que assisti, não só pela narrativa em si, mas principalmente por nos deixar imersos no universo dos sonhos da protagonista.

Em 3 de Setembro de 1973, pequenos eventos aconteciam nos quatro cantos de Paris, inclusive o início da gravidez da Sra. Poulain ou Amandine Fouet (nome de solteira). Nove meses depois, nasce Amélie Poulain. Amélie, como toda criança, tem pequenos prazeres que todos temos na infância, porém o que ela não sabia é que teria uma infância solitária em decorrência dos pais metódicos que tinha. O médico e pai de Amélie, Sr. Raphael Poulain, ao realizar o exame mensal na filha, constata que ela sofre de uma disfunção cardíaca. Na verdade Amélie não sofria de problema algum, sua taquicardia era decorrente da emoção por ser tocada pelo pai apenas uma vez ao mês. Seus pais, então, privaram Amélie de frequentar a escola e sua mãe assumiu a tarefa de ser sua professora.

Desde a infância, a protagonista inventou o seu mundo imaginário. A riqueza de detalhes das brincadeiras de criança e posteriormente das traquinagens, enriquecem a trama sobremaneira.

Quando completa a maioridade, Amélie sai de casa e vai morar em um apartamento no bairro de Montmartre, onde também trabalha como garçonete no Café Deux Moulains. O diretor continua a caracterizar seus personagens de forma divertida o que, tal qual em uma novela, nos deixar com mais empatia por uns e antipatia por outros. No local de trabalho de Amélie, aparecem as caricaturas de uma dama solitária (Suzane – Dona do Café), uma hipocondríaca (Georgette da tabacaria) e de um ciumento patológico (Joseph – frequentador assíduo do café).

Amélie levava uma vida tranquila, trabalhava, visitava o pai aos domingos, ia ao cinema e ficava observando a fisionomia das pessoas dentro da sala escura, até que no dia 31 de Agosto de 1997, abismada com a morte da Lady Di em Paris (fato e data verídicos), Amélie deixa cair a tampa do seu perfume que rola até um azulejo que se quebra com o impacto. Dentro daquela parede não tinha apenas uma caixinha cheio de objetos de criança, tinha todo o futuro de Amélie (na linguagem atual, eu diria que Amélie Poulain se tornaria, a partir dai, uma grande Stalker – voltada para o bem).

Amélie começa então uma busca incansável ao dono do pequeno tesouro, esquecido desde os anos 50, que ela acabara de encontrar dentro da parede do seu apartamento. Ao conseguir localizar Dominique Bretodeau, Amélie o deixa em contato com a caixinha sem se revelar e observa de longe a reação de Bretodeau com os seus brinquedos e objetos da infância nas mãos, quarenta anos depois de ter perdido tal “tesouro”. Ao notar que a reação do proprietário foi de extrema felicidade, Amélie resolveu que tentaria, ao seu modo, resolver a bagunça da vida dos outros ao seu redor.

Os pequenos detalhes e a sutileza com que Amélie, com pequenos gestos, começa a transformar a vida daqueles que a cercam é excepcional. Isso inclui a narração do caminho para um cego, a relação de Joseph com Georgette, Lucien e Collingnon (da quitanda), o homem de vidro - Raymond Dufayel (vizinho de prédio), Madeleine (a zeladora do prédio), o roubo do famoso anão de jardim do quintal do seu pai e a entrega para sua amiga aeromoça que fotografa o pequeno gnomo pelo mundo, o que faz o Sr. Raphael Poulain sair do estado letárgico que se encontra desde a morte da Sra. Poulain e por ai vai...

Porém, apesar de concertar a vida de muitos, Amélie segue sem um amor até “conhecer” Nino Quincampoix, para uma protagonista tão criativa, nem eu nem ninguém que estivesse acompanhando o desenrolar da narrativa poderia achar que tudo acabaria de maneira trivial (como na maioria das comédias românticas hollywoodianas). O romance entre Amélie e Nino se dá de forma criativa e nos prende todos os sentidos no desfecho da estória.

Para mim, Amélie Poulain é, sobretudo, um filme sobre solidão. Apesar de ser tratado de maneira cômica, podemos perceber em absolutamente todos os personagens traços de solidão e como cada qual lida com isso. Uma reflexão fica no ar, será que somos donos dos nossos próprios destinos ou precisamos de uma “Amélie Poulain” para nos despertar? Tomara que a resposta de cada um ao final dessa leitura seja a primeira opção.



Tenham todos uma ótima semana e até o próximo domingo.
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