Calçadão da Cardoso Vieira é tema de crônica assinada por Ligia Coeli para o Grande Campina


Um corredor abarrotado de gente que se esbarra, o tempo todo. Gente que parece não sair dali nunca, gente que ganha dinheiro, que perde, que deve, empresta. O Calçadão da Cardoso Vieira, espremido entre prédios e lojas do centro de Campina Grande, é considerado como um dos locais mais movimentados da região. É ali onde os principais burburinhos políticos e culturais nascem e se espalham pelas as bocas banguelas que lotam os bancos, que engraxam os sapatos, que bebericam café, que mastigam.

Em um dos principais pontos de encontro da cidade, o cenário é de deixar qualquer um vesgo. Em meio aos bancos do Calçadão, as clássicas reuniões de velhos amigos e os bate-papos nos bancos de praça ainda são comuns, e dividem espaço com o trabalho dos engraxates, sentados sobre as suas caixas de madeira abarrotadas de cera de sapato, ou com os vendedores de celulares. O aposentado Hiran Macedo Lyra, de 78 anos, diz que visita o calçadão diariamente, desde a época da adolescência: pra espantar o tédio, reencontrar amigos, recontar histórias que, quanto mais caducas, mais engraçadas ficam. Com uma cadeira dobrável em punho e vestindo um casaco de lã, ele passa parte do dia no Calçadão, enfeitando o que o pessoal chama de “o banco dos velhos”.

Também ficam espalhados por ali os artistas de rua, que no pingo do meio-dia, mesmo com o sol rachando os quengos de quem passa, conseguem reunir pequenas multidões em torno de algum assunto curioso: seja um mágico, as ciganas ou algum grupo de estrangeiros que se juntam para vender CDs ou desfilar com roupas curiosas. Palpiteiros de esporte também não faltam no local, e não por menos: é lá onde estão as lojas dos dois principais times da cidade: Treze e Campinense, uma encangada na outra, de tão rivais que são, permaneceram juntas até para escolher o lugar onde funcionam. A disputa dos campos é deslocada para aquele pequeno corredor formigueirando de gente. Entre um lanche e a barganha pelos objetos vendidos no local, eles fazem apostas, xingam o técnico, batem boca. Resultado: o torcedor que passa um dia fora do Calçadão corre o risco de ficar sem as noticiais mais recentes do time.

Por esse fuzuê todo, não é raro a presença de jornalistas no local. Entre um café e outro, conversam com os comerciantes, observam, tentam achar inspiração nas conversas dos ambulantes, intelectuais e artistas espalhados pela praça improvisada. Essas pessoas se reúnem numa espécie de consulta popular a céu aberto, e o que é dito lá facilmente repercute nos principais jornais da cidade, rende um furo, uma nota, ou qualquer outra coisa que apareça como inédita. “Aqui a notícia chega primeiro porque é onde encontramos a maior concentração de pessoas em todo o centro da cidade”. Essa é a explicação que o comerciante Wellington Barros do Nascimento, de 51 anos, encontrou, depois de passar mais de 25 trabalhando no local, observando as conversas do povo que passa pela sua barraca de leite e queijos – um lugar miúdo, mas bem aconchegante, com cheiro e cor de manteiga.

Dizem que o calçadão é a sala de visitas da cidade. Discordo. Para mim aquilo é sala de televisão. Gosto de sentar no sofá de pedra e ver aquelas pessoas passando, existindo em si mesmas e deixando um bocado delas em mim. Permaneço ali, calada, quieta, apenas respirando, sem vontade alguma de trocar de canal.
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