Bruno Gaudêncio comenta obra do historiador paraibano Durval Muniz de Albuquerque Jr.


O Nordeste é rico em autores, artistas e intelectuais que escreveram suas obras a partir de alusões a sua própria região. Nomes como Gilberto Freyre, José Américo de Almeida, Graciliano Ramos, Luiz Gonzaga, Glauber Rocha (só para citarmos alguns das mais diversas áreas e linguagens), desenvolveram, muitas vezes, suas concepções sociais, históricas e estéticas dentro de um universo de imagens e discursos que privilegiaram idéias e valores marcados por estereótipos a acerca do Nordeste, a exemplo da Seca, do Messianismo, do Cangaço, da Miséria, etc. O mesmo pode ser identificado com recorrência na mídia brasileira, que privilegia estas mesmas imagens clichês e preconceituosas.

Tais representações sobre o Nordeste brasileiro são fruto de uma pseudo-unidade cultural, geográfica e étnica, no qual a região foi recortada por um campo de estudos e produções culturais, a exemplo da literatura (sobretudo a Regionalista), as artes plásticas, a música, o cinema, a produção acadêmica (em especial as ciências sociais e a historiografia), como também por estratégias políticas e institucionais. Neste sentido, a região foi tomada como uma invenção, pela repetição regular do caráter do Nordeste e de seu povo.

Todas estas reflexões fazem parte do livro A Invenção do Nordeste e outras Artes, do historiador paraibano Durval Muniz de Albuquerque Jr., publicado em 1999, através da Fundação Joaquim Nabuco e da Editora Cortez. A obra, que já está em sua quinta edição, foi vencedora do Prêmio Nelson Chaves de teses sobre o Norte e o Nordeste brasileiros em 1996, sendo fruto do doutoramento do autor em história pela Universidade de Campinas (UNICAMP), apresentado em 1994, com o título de “O Engenho Antimoderno: a invenção do Nordeste e outras artes”.

O historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr. nasceu em Campina Grande, Paraíba, em 22 de junho de 1961, todavia atualmente reside na cidade de Natal onde é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Sua experiência na área de História recai no campo da Teoria e Filosofia da História, atuando principalmente nos seguintes temas: gênero, nordeste, masculinidade, identidade, cultura, biografia histórica e produção de subjetividade. Faz, neste momento, estágio de pós-doutorado junto a Universidade de Coimbra, em Portugal. Até o ano passado foi Presidente da ANPUH (Associação Nacional de História), principal órgão representativo dos historiadores no país.

Uma das hipóteses centrais do livro A Invenção do Nordeste e outras Artes é que o Nordeste é uma invenção recente na história brasileira, mas precisamente uma idéia firmada nas primeiras décadas do século XX, sendo gestada no cruzamento do que Durval Muniz de Albuquerque Jr. chama de “práticas regionalizantes”, sejam elas por interesses políticos ou culturais.

A obra analisa brilhantemente diversas fontes e linguagens, compreendendo os caminhos pelos quais se produziu o Nordeste, no âmbito da cultura brasileira. Neste sentido, o discurso acadêmico, jornalístico, político, literário, fílmico, teatral, musical, que constituíram como objeto de conhecimento sobre o Nordeste, foi sendo analisado como “produtoras de realidade” e, portanto, responsáveis pela maneira como compreendemos a região até os dias atuais.

O livro em questão já é um clássico da historiografia brasileira contemporânea. Constituído a partir de conceitos e pressupostos do pós-estruturalismo, em especial a partir dos autores Michel Foucault e Gilles Deleuze, a obra vem servindo como uma espécie de “manifesto” a visão muitas vezes limitada sobre o Nordeste, servida de preconceitos e desinformações sobre a região.

Repensando a nossa identidade enquanto nordestino, Durval Muniz de Albuquerque Jr. conseguiu questionar a maneira “folclórica” em que nos colocamos. Fugindo dos lugares comuns, da qual a cultura nordestina é engessada, o livro A Invenção do Nordeste e outras Artes ainda carece de uma maior penetração para um público maior, fugindo das limitadas paredes da academia.

Ao pensar o Nordeste por dentro, através das condições que a possibilitaram, Durval Muniz de Albuquerque Jr. optou por passear pelas entranhas e amarras de uma região que sofre pelas limitadas visões impostas pela mídia e pela crítica cultural brasileira, e mais, questiona a nossa própria postura em afirmar e reafirmar a concepção folclórica e regionalista do qual nós insistimos em perceber como homogênea e unitária. Exemplo é justamente o período junino, quando a “paisagem urbana” das grandes cidades nordestinas é maquiada por uma falsa concepção rural.

O projeto intelectual do historiador paraibano passa pelo questionamento das identidades regionais, e que podem ser encontradas não só no livro A Invenção do Nordeste e outras Artes, mas também em outros estudos igualmente significativos, a exemplo dos livros: Nordestino: Uma invenção do falo (uma história do gênero masculino - Nordeste 1920/1940), publicado em 2003 e Preconceito contra a origem geográfica e de lugar - As fronteiras da discórdia, lançado em 2007. Neste sentido, percebo a importância fundamental do pensamento de Durval Muniz de Albuquerque Jr. na atualidade, como “reinventor” da maneira de pensar a região Nordeste.

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