Artigo | Psiquiatra João Adolfo Mayer comenta sobre bulimia, um grave transtorno alimentar


A bulimia é um transtorno alimentar no qual as principais características são os episódios de compulsão alimentar (desejo irresistível de ingerir alimentos) seguidos de comportamentos compensatórios, também denominados purgatórios, para evitar o ganho de peso. As pessoas que sofrem de bulimia vivem em um circulo vicioso de compulsão-purgação. Na sua maioria, antes do início do distúrbio, estão dentro da faixa de peso normal, embora alguns possam estar com um peso levemente acima ou abaixo. A bulimia prevalece no sexo feminino, de 90 a 95%, e geralmente se manifesta por volta dos 18 a 20 anos.

Os episódios de compulsão alimentar consistem no consumo de uma grande quantidade de alimentos, geralmente ricos em gordura e/ou açúcar. Ocorrem em segredo, por isso raramente são presenciados por outras pessoas. Alguns desses episódios são previamente planejados, mas em geral acontecem de forma impulsiva. Entre as crises, os portadores restringem, por conta própria, seu consumo de alimentos, ou selecionam aqueles com baixas calorias, no intuito de evitar ganho de peso corporal. O "gatilho" das compulsões na bulimia pode incluir depressão, dificuldades nos relacionamentos interpessoais, conflitos no trabalho ou conjugais, sentimentos de vazio, solidão, insucessos existenciais, uso de dietas restritivas e/ou prolongadas para perder peso e autopercepção distorcida da imagem corporal.

A ingestão compulsiva de alimentos "camufla" temporariamente os sentimentos autodepreciativos, sendo rapidamente seguida por sentimentos de culpa. O portador de bulimia sente vergonha dos seus episódios de compulsão (binge), e entende seu comportamento como uma falta de controle, o que é uma das razões para a baixa auto-estima. Geralmente afirmam: "existe alguma coisa errada comigo, sou diferente de todo mundo, sou fraco(a), porque não consigo me controlar quando surge a vontade de comer”. É difícil para alguém que se sinta desta forma procurar ajuda, motivo pelo qual o início do tratamento acontece tardiamente.

Os comportamentos compensatórios são uma forma de "conter" os efeitos (aumento de peso) das crises de compulsão. Os vômitos auto-induzidos representam o procedimento compensatório mais comumente utilizado, sendo provocados logo após os episódios de compulsão. Alguns pacientes podem chegar a vomitar até 20 vezes por dia. Os vômitos se tornam tão "comuns" que alguns são capazes de vomitar quando querem. O ato de purgar reduz temporariamente o desconforto físico causado pela sensação de "estofamento" gástrico, alem de amenizar o medo de ganhar peso em decorrência do comportamento compulsivo. Algumas pessoas podem até mesmo ansiar pelo comportamento purgativo, por causa da sensação de "libertação" que ele temporariamente oferece. Outras condutas compensatórias utilizadas para "prevenir" o ganho de peso são o uso abusivo de laxantes, diuréticos, dietas restritivas, jejuns, medicamentos que inibem o apetite e a prática exagerada de exercícios físicos. A "necessidade" de fazer exercícios para não engordar pode chegar a interferir de modo significativo nas atividades pessoais e profissionais, tornando-se prioritário em detrimento de encontros sociais e/ou profissionais.

Os portadores de bulimia, de forma semelhante aos portadores de anorexia nervosa (distúrbio alimentar diferente da bulimia), estão obsessivamente preocupados com a forma e peso dos seus corpos. Podem checar seu peso e forma de maneira exagerada através de pesagens freqüentes (varias vezes ao dia), observação de si mesmos no espelho, e medição de varias partes do corpo com fitas métricas ou com as próprias mãos. Para os bulímicos, a auto-estima está diretamente vinculada ao seu peso e forma corporal.

Complicações médicas mais comuns incluem alterações cardíacas, sangramentos do esôfago, distúrbios eletrolíticos e desnutricionais, problemas gastrintestinais e dentais entre outras. As complicações médicas da bulimia podem ser tão severas que levem à morte, se não tratadas de maneira adequada. Uma avaliação médica detalhada por parte do Psiquiatra se faz necessária, bem como o uso de substâncias inibidoras da compulsão alimentar (antidepressivos, moduladores e estabilizadores do humor), uso de medicações para combater a ansiedade e psicoterapia focada na natureza e psicodinâmica dos conflitos vivenciados pelo indivíduo acometido de bulimia.
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