Artigo | Ligia Coeli conta um fato curioso envolvendo Chapéu, figura conhecida em Campina


Conta ele próprio, o cabra que enganou a morte, que o causo se deu em janeiro de 1990, na estrada que liga Boqueirão à Campina Grande. Carlos Alberto Alves de Sousa, 60 anos, mais conhecido como ‘Chapéu’, é cinegrafista e dono de uma das histórias que mais se conta pelos cantos da cidade, uma quase-lenda que ele faz questão de explicar os detalhes e mostrar as cicatrizes: é o homem que morreu, mas está vivo. “Eu morri por algum tempo, o povo já ia colocar a vela na minha mão quando eu derramei três lágrimas. Lágrima é sinal de vida, e então desistiram de me levar para o UML, mas eu já estava todo empacotado”, diz aos risos.

Era noite de lua cheia, quase meia-noite (ele fez questão de repetir esse detalhe três vezes, uma delas bem pausada, esperando que eu digitasse cada letrinha) quando ele voltava da gravação de uma reportagem que havia feito em Boqueirão. Carlos Alberto contava com o serviço de um motorista, mas nessa noite resolveu dirigir ele mesmo. “Eu disse pra gente ir devagarzinho e fui, dirigi focado na estrada. De repente eu vi uns faróis de lá para cá na estrada. Quando o carro foi se aproximando, eu gritei ‘esse cara vai bater em mim’” e bateu mesmo. O detalhe é que das quatro pessoas que estavam no carro, apenas ele ficou estambecado: coisas como 300 fraturas nas pernas e braços, que só foram totalmente superadas dois anos depois.

“Quando me retiraram das ferragens e me colocaram no asfalto, eu fiquei acordado só pra mim. Eu ouvia tudo, mas não conseguia reagir, era estranho escutar o povo dizendo ‘Chapéu Morreu’, mas eu estava acordado”, diz. A correria foi grande e acabou que ele foi socorrido para um hospital de Campina. “Um dos médicos bombeou meu coração na mão. Tive duas paradas cardíacas, os médicos chegaram a dizer que não havia mais jeito”, nessas condições é difícil de acreditar mesmo. Ele diz que ouviu o silenciar dos equipamentos, “fez píííííííí, eu vi e ouvi”, e então os médicos começaram a retirar as luvas: “Morreu, encaminhar para o UML agora”. Na sala, só estava o defunto fajuto e uma médica anestesista, quando ela percebeu o pedido de socorro singelo e calado de Chapéu: três lágrimas.

A mulher chamou os médicos de volta, eles se recusaram. Por insistência, um deles ficou na sala enquanto a anestesista tentava convencer o restante da turma. Nesse intervalo, Chapéu deu um grito e pediu ao médico, que branco e se borrando olhou o defunto falar, “Tô com sede, quero um copo d’água”. Depois disso, Chapéu ainda passou 18 dias na UTI. “Nunca chorei, nunca me desesperei. Tinha médico que conversava comigo enquanto eu estava internado e imóvel. Eles diziam ‘Chapéu, você ta vivo, né?’, eu não podia responder, mas ficava pensando ‘– Não precisa gritar, tô em coma mas não to môco’, mas respirava mais forte para dizer que sim”, diz ele rindo da inocência do doutor que duvidada.

Era assim Chapéu, o homem barbudo que me contava essa história e de vez em quando entalava um pedaço na história, como quem prende o choro. “O que tá escrito nas ‘tabaca’ de Moisés, ninguém apaga nunca. Mas não escreva essa parte não, tá?”, tá certo Chapéu – deixa comigo!

Texto e foto por Ligia Coeli.
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