Está na hora de comprar o material escolar do seu filho? Confira este excelente artigo assinado por Orlando Ângelo para o Grande Campina


Presenciei na seção de material escolar de um supermercado, em Campina Grande, o embate, quase imperceptível, entre um pai e uma criança que queria comprar sua mochila. O menino queria uma das mais bonitas e caras, enquanto o pai exibia outros modelos com a mesma utilidade, no entanto, mais baratos e, talvez, acessíveis ao seu poder aquisitivo.

Nada convencia o garoto a mudar de idéia. Ele queria a bolsa da moda, a mais “transada”. Na certa, para impressionar os amigos e as gatinhas da escola. Depois de várias e rápidas conferências com a mãe, o pai resolveu comprar a escolhida pelo filho.

Deu para escutar que pagaria pelo cartão de crédito, em dez prestações. O que os pais não fazem pelos filhos? Talvez, levados pela esperança de que um dia eles poderão se tornar doutores. Na dúvida, é melhor não atrapalhar no começo da vida estudantil. Melhor apostar no futuro do garoto.

Já passei por isso também. Muitas vezes tentei convencer minhas filhas Emília e Manuela a escolherem mochilas mais baratas e condizentes com a minha condição salarial. Apesar de serem bastante compreensivas, às vezes consegui, às vezes não. Daí entender a aflição daquele casal.

É difícil lutar contra as apelações ao consumismo. São muitas informações para a cabeça de crianças e adolescentes. Só nesse item, são muitos os apelos: "mochila escolar confeccionada em lona estampada, com o personagem aplicado em alto relevo; vem com porta celular com cursores plastificados; em nylon balístico, ultra resistente, com seis compartimentos; feita em lona estampada, com personagem aplicado e bolso frontal". Isso, só para citar alguns.

Apesar da mochila ser uma maneira popular e prática dos estudantes carregarem seu material escolar, não vi os pais discutirem sobre os problemas de saúde relacionados, por exemplo, com as implicações posturais ou as diferentes disfunções músculo-esqueléticas que podem advir pelo uso da bolsa com excesso de peso. Acho que as escolas deveriam discutir alternativas para reduzir a carga das mochilas dos estudantes.

Esse fato, também, me fez lembrar da minha primeira e única bolsa de carregar livros, cadernos, lápis comum e borracha, quando já estudava o primário no saudoso Grupo Escolar Ademar Leite, lá no meu Piancó, celeiro de muitos médicos, engenheiros, jornalistas, advogados, juízes, empresários e professores. A diretora era minha querida amiga Chiquinha Freire.

Era uma bolsa de cor vinho, em um único compartimento, de material plástico, com riri (zíper) na parte de cima e pequenos detalhes em alto relevo. Nela, eu também carregava meus sonhos, minhas esperanças e ilusões. Era a novidade daquele momento. Meu pai a comprou na bodega de "Veríssimo", que ficava ao lado do mercado público, perto da mercearia de Zé Careca e do Armazém de Manezim Azevedo, na Rua Mascarenhas de Morais, ali por perto, onde hoje funciona o comércio de seu Zé Bezerra e o Bar de Arnaud.

Lembro-me que, pela manhã, logo cedo, mãe me acordou e com muita alegria, arrumou minha bolsa. Na verdade, eu nem tinha dormido. Passei a noite só pensando em chegar a hora de ir para a escola. Vesti a farda, lavada com sabão em barra e anil por Dona Maria, bem engomada, e fui para o grupo que ficava perto de minha casa, na esquina da residência de Dr. Pedro Leite e de frente para os oitis, onde jogávamos bola. "Tenha cuidado na bolsa", ainda escutei minha mãe falar, quando já estava na calçada de casa.

Enquanto caminhava feliz com a bolsa debaixo do braço, pensava no quanto era bom não ter mais que carregar meu material escolar em um saco plástico como fazia cotidianamente. O que deveria ser uma grande alegria se tornou motivo de tragédia e tristeza para mim. Minha bolsa chamou a atenção de alguns colegas e despertou a inveja de outros.

A aula ministrada por dona Terezinha Lacerda, professora de grande competência, transcorreu normalmente. Quase não prestei atenção. Tudo era felicidade. Passei o tempo todo olhando para minha bolsa, como se não acreditasse que ela era minha. Imaginava o quando meu pai era bom por ter me dado esse presente, mesmo com todo sacrifício. Ele que era acostumado a me presentear com canetas, como já falei em outro artigo, desta vez superou minhas expectativas.

Guardei cuidadosamente minha bolsa no compartimento que havia na carteira e sai para o recreio. Como fazia diariamente, corri para lanchar em casa, pois não havia como levar beiju e café com leite para a escola. Comi apressado e ainda deu tempo de brincar um pouco no pavilhão.

Da alegria para a tristeza foi um pulo. Quando peguei minha bolsa para tirar caderno e lápis e fazer o ditado empalideci. Percebi que havia um corte mesmo na frente. Fiquei consternado. Uma grande vontade de chorar tomou conta de mim, mas, a todo custo me contive, pois não podia fazer isso na frente dos meus colegas. “O que vou dizer a minha mãe quando chegar em casa?”, fiquei me perguntando.

Revoltado e irado, passei a investigar e logo descobri o autor do crime. E o que é pior: havia sido meu primo José, mais conhecido por Dulira. Ele havia cortado meu sonho de consumo, minha alegria, com uma banda de gilete. Não tinha necessidade dele cometer esse ato criminoso, pois meu tio Ângelo, com a habilidade de sapateiro adquirida nos tempos de juventude, havia feito uma bolsa para ele, inclusive muito bonita.

No caminho de volta, não deu pra conter as lágrimas e cheguei em casa chorando. Ao invés de brigar comigo, minha mãe passou a me consolar e providenciou um remendo na minha bolsa. Mostrou-me que o conhecimento não chega através da mochila, mas pela força de vontade, pela responsabilidade e esforço em aprender. Apesar da insatisfação de ir para a escola com a bolsa remendada, nunca fiquei desmotivado com os estudos e segui em frente.

Hoje, passado tanto tempo, percebo que havia um pouco de inveja material, já que, digamos, minha bolsa era de marca e a dele não. E um pouco de inveja intelectual, também, pois sempre procurei ser aplicado nos estudos. Talvez, isso seja compreensível na fase de criança. Não sei. Mas continuo achando repugnável aquele ato.

A mochila, simbolicamente, tem um valor muito grande para crianças e adolescentes. Ela representa status, poder e destaque junto a galera, apesar de não significar que a pessoa que a carrega é estudiosa. Entendo que o esforço do pai que vi no supermercado é válido. Não há como negar a importância que uma mochila escolar tem na vida de uma criança.
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