Bruno Gaudêncio traça o perfil de um campinense que se destacou nacionalmente na década de 40


Não temos uma boa memória quando nos referimos aos nossos valores. Não estudamos com erudição e eficácia os artistas e intelectuais locais. Não sabemos quem eles eram. Não temos interesses em quais são as suas principais proposições e muito menos possuímos conhecimentos adequados sobre as suas práticas de escrita e leitura. Praticamente só pesquisamos o cânone. Estudamos prioritariamente aquilo que nossas academias e cursos de letras e artes nos ensinam. Na maioria das vezes só enxergamos e examinamos o óbvio, o evidente e o inconfundível – ou seja, aqueles autores sistematicamente lembrados e relembrados em nossos compêndios e livros de história. Daí as constantes omissões, os silenciamentos bárbaros, as arestas deixadas no campo de produção cultural. Na Paraíba, por exemplo, podemos citar inúmeros casos neste sentido, relatarei aqui apenas um.

Diante de tais reflexões iniciais, pretendemos apresentar aos leitores deste site um importante personagem dos estudos sobre a História das Artes no Brasil, notadamente da arte barroca brasileira. Um autor quase que completamente esquecido, vítima, portanto desta nossa indigna carga de desmemorização historiográfica. Seu nome? Rubem Navarra.

Rubens Agra Saldanha nasceu em 8 de Março de 1917 na cidade de Campina Grande, estado da Paraíba. Filho de uma família tradicional formou-se em Direito pela Faculdade do Recife com apenas 20 anos. Anos depois, já na década de 1930, mudou-se para o Rio de Janeiro (então capital federal), onde começou a escrever em jornais e revistas cariocas, de preferência sobre artes plásticas, em que viria a tornar-se um dos críticos mais conceituados do país. Exerceu na verdade não apenas a crítica de artes com certo labor, mas também a crítica de dança e de teatro com notória qualificação. Ao mesmo tempo trabalhou na administração pública, como era de praxe entre os intelectuais e escritores sediados na antiga capital da republica. Adotou neste período o pseudônimo literário de Rubem Navarra.

Uma das figuras mais importantes da crítica de arte no país na década de 1940, Rubem Navarra iniciou-se neste meio primeiramente comentando a produção plástica contemporânea de forma não-acadêmica, com ensaios curtos, muitas vezes de pouco aprofundamento. Posteriormente, sem abandonar a crítica militante, voltou-se para os estudos da arte colonial brasileira, empreendendo uma apreciável e sistemática investigação sobre estética e estilística da arte barroca. Ligado ao Serviço de Patrimônio Artístico Nacional (SPHAN), instituição fundada em 1937 durante o Governo Vargas, Rubem Navarra publicou dezenas de artigos, no qual boa parte delas sobre arte barroca brasileira, que continuam até hoje a possuir uma expressiva e invejável significação analítica.

De acordo com o poeta Murilo Mendes, além de reconhecido pelos artistas plásticos da época, Rubem Navarra era admirado por “Aníbal Machado, Carlos Drummond de Andrade, Jaime Cortesão, Jorge de Lima, Mario Pedrosa, Roberto Alvim Corrêa, Rodrigo Mello Franco e outros mais – para falar em residentes no rio”. Em parte, por serem seus artigos (por essa época, a maioria sobre arte religiosa), despertarem grande interesse nos meios culturais. Portanto, diante de sua recepção, podemos colocá-lo assim ao lado de nomes importantes da história da crítica de arte brasileira como Mario Pedrosa, Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Ferreira Gullar e Lourival Gomes Machado.

No auge de sua atuação como crítico de arte no Rio de Janeiro, Rubem Navarra acabou sendo contemplado com uma bolsa de estudos na França, matriculando-se no curso de arte antiga na Universidade de Sorbonne. Todavia, não pode concluí-la. Doente, retornou ao seu estado natal, Paraíba, vivendo alguns anos em Campina Grande, vindo a falecer prematuramente em 18 de dezembro de 1955 na cidade de João Pessoa.

Sua obra, constituída por centenas de artigos, críticas e ensaios, boa parte delas esquecida em antigos calhamaços de arquivos dos jornais da década de 1940, merece uma acolhida mais atenta dos nossos estudiosos da arte brasileira. Entretanto, apesar de pouco divulgado, nosso autor foi no ano de 1964 publicado, graças a “Comissão Cultural do Centenário”, organizada por um conjunto de intelectuais locais, em comemorações aos cem anos da cidade de Campina Grande, que editou sob título de Jornal de Arte parte de sua produção literária.

Passados quase 60 anos de sua morte e 50 anos de sua última publicação, a obra de Rubem Navarra, merece uma reedição urgentemente, para que os atuais estudiosos da arte brasileira em geral tomem conhecimento das suas expressivas reflexões, daquele que deve ser considerado um dos maiores críticos de arte da história do Brasil, livrando-o assim da insuportável escuridão do ostracismo cultural.

Confira todos os artigos assinados por Bruno Gaudêncio no Grande Campina.
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