Artigo | Você se considera viciado em jogos eletrônicos ou em internet?


O jogar como distúrbio psicopatológico vem ganhando importância crescente na atualidade devido ao seu aumento em diferentes países, como conseqüência da maior disponibilidade de jogos de azar ou de outras modalidades. Além dos de apostas tradicionais como loterias, corridas de cavalos, jogos de cartas e bingos, a cada dia vêm sendo introduzido no mercado novos tipos e formas de jogos como os eletrônicos e os desenvolvidos para uso na internet, modalidades estas que têm levado à dependência (comportamento equivalente à drogadição) muitos adolescentes, adultos jovens, idosos e até crianças. Os chamados “dependentes de jogos eletrônicos e da internet” têm aumentado de forma assustadora, a cada dia, já sendo considerado o “ jogar patológico” da modernidade ou pós modernidade.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) o "Jogar Patológico" passou a ser reconhecido como doença (comportamento doentio) somente a partir de 1992 e, em linhas gerais, se caracteriza pela incapacidade da pessoa em controlar de forma voluntária o comportamento de jogar, a despeito de todos os inconvenientes que isto possa estar proporcionando, tais como: número de horas gastos nessa atividade, desgaste físico e/ou psíquico, problemas financeiros, familiares, profissionais, redução dos vínculos sociais, entre outros.

O jogador compulsivo pode ser comparado a um "viciado" (dependente psíquico) em trabalhar, em comprar, como também em sexo, internet ou em tantas outras atividades comportamentais que, fugindo ao controle da vontade individual, se tornam imperativas. Tem também reações semelhantes às apresentadas pelos dependentes químicos, tanto na sensação de prazer quanto nos comportamentos e sintomas que surgem como síndrome de abstinência (insônia, irritabilidade fácil, dificuldade de concentração, ansiedade, picos depressivos, distúrbios neurovegetativos, entre outros).

Uma das principais características do Jogar Patológico é que, apesar das graves conseqüências que possa estar provocando tais como o risco de separação conjugal, demissão do emprego, graves perdas econômicas, envolvimento com a justiça, entre outros, os jogadores têm muita dificuldade em controlar o impulso de jogar, em admitir a existência ou dimensão do problema e solicitar tratamento especializado.

Na prática clínica de um médico psiquiatra não é tarefa fácil detectar o Jogador Patológico, considerá-lo como portador de Transtorno do Controle dos Impulsos e enquadrá-lo no denominado atualmente espectro obsessivo compulsivo. Primeiro, porque o jogador compulsivo tende a esconder essa dependência e dificilmente reconhece a gravidade do quadro, mesmo quando alertado pelos amigos ou familiares, subestimando, dissimulando, racionalizando ou negando o problema, até o ponto em que isso se torna insustentável.

Outro aspecto relevante é que nossa sociedade está habituada a considerar dependência apenas os casos de alcoolismo, tabagismo ou uso de drogas ilícitas ( maconha,cocaína,crack entre outras), e só a duras penas vem aceitando que o Jogo Patológico também o seja. Há ainda um discurso complacente sobre o tema aqui discutido, revelador de certa cegueira social, quando familiares, amigos ou mesmo o jogador ou jogadora dizem que "afinal, ele (a) tem direito a um pouco de lazer” já que trabalha tanto e de forma responsável, que sempre foi considerado bom amigo(a), esposo(a) exemplar e incapaz de fazer o mal de forma proposital”.

O comportamento de Jogar Patológico é caracterizado e diagnosticado segundo a presença de alguns dos seguintes critérios: preocupação com jogo (especulação do resultado ou planejamento de novas apostas, pensamento de como conseguir dinheiro para jogar, aumento das apostas para alcançar a excitação desejada); esforço repetido e sem sucesso para controlar ou parar de jogar; inquietude ou irritabilidade quando diminui ou para de jogar; jogar como forma de escapar de problemas ou para aliviar estado disfórico (sentimentos de culpa, desamparo, ansiedade ou depressão); mentir para familiares, amigos, terapeuta ou outros com a finalidade de esconder a extensão do envolvimento com jogo; cometer atos ilegais como falsificação, fraude, roubo ou desfalque para financiar o jogo; ameaças ou perdas de relacionamentos significativos, de oportunidades de trabalho ou do trabalho em decorrência do envolvimento com o jogo; baixo rendimento escolar em decorrência de redução da freqüência à escola ou universidade para ficar jogando; contar e/ou exigir dos outros provimento em dinheiro no intuito de aliviar a situação financeira desesperadora que se encontra por dívidas de jogo.

Alguns autores sugerem que jogadores patológicas ficam dependentes da sensação emocional, de cunho excitante, de correr riscos, que lhe ocupa a mente, fazendo com que passe a repetir o comportamento, agora fora do seu campo volitivo ( vontade), e que se acompanha de uma euforia (alegria) semelhante àquela induzida por drogas psicoativas. O jogo pode tornar-se a grande e única fonte de prazer, independente de todos os malefícios causados, para algumas pessoas, notadamente para aquelas mais solitárias e desencantadas com seu entorno social ou familiar.

Não há prevalência do Jogo Patológico em uma determinada faixa etária, mas o diagnóstico de jogadores patológicos está presente desde o início da adolescência até a terceira idade, e pesquisas demonstram que cerca de 20% dos jogadores patológicos também são dependentes de álcool, 62% são tabagistas e 50% deles estão desempregados. Entre as complicações associadas ao jogar Patológico estão as tentativas de suicídio, o alcoolismo, a dependência de drogas lícitas ou ilícitas e a associação desse distúrbio com transtornos do humor, ansiedade aguda ou generalizada. Há evidência de padrões de herança genética em dependentes de jogos, questão ainda polêmica no âmbito da psiquiatria e psicologia.

Como todas as patologias emocionais que envolvem a volição (vontade), o Jogar Patológico é difícil de ser tratado devido à pouca adesão ao tratamento, por parte do jogador patológico, decorrente do seu não reconhecimento e aceitação de que já não tem controle sobre o seu comportamento quando joga. Apesar das dificuldades acima referidas e das recaídas (voltar a jogar) freqüentes, o uso de antidepressivos, estabilizadores do humor associados a psicoterapia individual ou grupal, bem como a participação sistemática, contínua e por longo período de tempo em reuniões de grupos de auto-ajuda como os "Jogadores Anônimos”, vêm abrindo novos horizontes para o tratamento de longa duração do Jogador Patológico, com a finalidade de controlar a compulsão e, em consequência, a dependência do jogar.
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