Entrevista | André da Costa Pinto


Ele nasceu em Barra de São Miguel, uma pequena cidade do interior da Paraíba, e cresceu numa família onde as pessoas debatiam literatura, música e arte quase o tempo todo. Diferentemente das outras crianças, quando tinha 9 anos escutava não o que estava na mídia, mas Lupicínio Rodrigues, Cartola, Pixinguinha e outros artistas do gênero. Estava dentro do universo Chico Buarque de Holanda, de quem seu pai era fã. Como se pode perceber, a base cultural do jovem cineasta André da Costa Pinto começou em casa. Não é para menos. Ele foi criado ao lado da avó, que é teatróloga e atriz, e do pai, que durante a vida inteira trabalhou com Educação.

André é dessas pessoas que acreditam em si mesmas e nos que estão ao seu redor e que não têm medo de “quebrar a cara”. “Quando eu quero vou atrás”, diz. O autor de “Amanda e Monick” se descreve muito determinado e com iniciativa para aquilo que quer. Procura administrar muito bem o que está fazendo. Como diretor, é chato e exigente: grita quando tem que gritar. Nesta entrevista, ele fala da sua produção cinematográfica, os desafios enfrentados, do sucesso alcançado e dos prêmios conquistados.

Apesar de você ainda ser jovem, sua estante de prêmios já tem vários lugares ocupados. É possível explicar tamanho sucesso?
Quando você quer alguma coisa, vai atrás. Eu acho que talento várias pessoas têm. Fazer de qualidade várias pessoas fazem. Depende muito da forma como você vê as coisas, a forma de sentir a arte. Muitos fazem arte, mas ela tem que ser feita para ser compreendida. Se as outras pessoas não entendem meu filme, para quem eu estou comunicando? Cinema é comunicação. Arte é comunicação. Parte um pouco disso. Essa questão das pessoas entenderem aquilo que eu quero passar.

Quais as dificuldades que você enfrentou no início da carreira como cineasta?
Dificuldades se encontram em tudo na vida. A primeira coisa é fazer as pessoas acreditarem em você e te dar apoio. Para ganhar esse apoio, você precisa mostrar que merece. E sofre preconceito lá fora? Sofre, pelo fato de ser nordestino, um guri de 23 anos. Mas se baixar a cabeça porque está sofrendo... Dificuldade encontra, mas a maior dela é a gente mesmo. Não é sempre ver o lado bom da coisa, mas transformar o lado ruim.

De onde veio a inspiração para fazer cinema?
AC - Eu tenho uma formação de casa. Fui criado respirando cultura. Tenho uma avó que é teatróloga e atriz, um pai que durante a vida inteira trabalhou com educação, jogou muita coisa para o alto por causa disso. Eu cresci num meio onde as pessoas debatiam literatura, música, arte. Na época em que eu tinha nove ou dez anos, enquanto outros guris escutavam aquilo que estava na mídia, eu escutava Lupicínio Rodrigues, Cartola, Pixinguinha. Estava dentro do universo Chico Buarque de Holanda, de quem meu pai era fã. Eu tive essa cultura desde cedo. Quando chegou a hora de dizer que iria fazer Comunicação, eu já tinha o contato com o audiovisual, pois já conhecia o cinema, já assistia bastante. E comecei a fazer cinema com elementos da minha infância. O mérito maior de meu trabalho é poder reconhecer aquilo que está ao meu redor. O problema é que muita gente não valoriza. No caso da Amanda, por exemplo, foi preciso fazer um filme para as pessoas saberem do valor que ela tinha. É importante saber transformar o que está em sua volta, pois é no cotidiano que se descobre coisas interessantes.

Dois dos seus curtas-metragens enfocam personagens marcantes de sua cidade natal, Barra de São Miguel: o escultor David Ferreira, em “A Encomenda do Bicho Medonho”, e os dois travestis que protagonizam o documentário “Amanda e Monick”. Qual a importância de registrar a realidade de cada um deles?
A primeira coisa é por eu registrar minha própria realidade. Eles fizeram parte do meu cotidiano, da minha vida. Seu Davi é uma parte fantástica da minha infância. Eu passei muito tempo imaginando o Bicho Medonho. E Amanda foi Artur, que era meu amigo de infância. De certa forma, eu estou registrando parte da minha história, da minha família, das pessoas que eu gosto, que estão ao meu redor, e parte da história do meu lugar, que é Barra de São Miguel. É bom também poder levar o nome da cidade para fora.

Como você pode descrever sua atuação como diretor no processo de produção dos filmes?
É muito difícil descrever o André diretor. Uma coisa que eu gosto de dizer é que não sou muito humilde quando quero as coisas, eu sou ousado. Quando eu quero algo não adianta dizer para mim ‘não’. Eu tenho que quebrar a cara e descobrir que é ‘não’. Quando eu quero, vou atrás. O André é uma pessoa chata no set de filmagem. Ele grita quando tem que gritar. Eu sou muito determinado e tenho iniciativa para aquilo que quero, procuro administrar muito bem o que estou fazendo. Eu digo que todo mundo tem dois olhos e eu tenho vários. Olho tudo o que está ao meu redor. Nada passa despercebido. Fiscalizo a arte, o figurino e até coisas mínimas que fazem a diferença em tudo. Também acredito nas pessoas. Se eu quero fulano de tal para ser meu personagem, eu vou até ele convencê-lo de que ele tem capacidade de fazer isso para mim. O André tem muito disso: acreditar em si e acreditar nas pessoas que estão ao seu redor. A pessoa pode nunca ter trabalhado naquilo, mas, se eu puder dar responsabilidade para ela, eu vou dar. Também sou um cara empreendedor, que vê o que tem aqui e vê o que pode ter futuramente.

Depois de começar produzindo documentários, como é fazer um filme de ficção?
Eu já trabalho com ficção há algum tempo. Nunca dirigi um filme de ficção, mas dirigi pessoas, é tanto que eu tenho um curso de formação de atores para cinema. Eu tenho minhas formas de trabalhar com atores. Acho que o ator precisa se entregar por inteiro ao personagem, sem conceito nem preconceito. Ele deve se construir a partir do que o personagem pede. Então, para mim, não vai ser muito diferente mudar do documentário para a ficção por já ter trabalhado com isso. A ficção envolve a arte, os cenários, uma série de coisas que eu já tenho contato. É um desafio maior por ser um longa e por ser meu, pois eu só tinha participado na produção de filmes de outras pessoas. Mas não tenho medo não.


Por participar ativamente do cenário cultural de Campina Grande, muitas pessoas já citam seu nome quando o assunto é força de vontade. Como você avalia as oportunidades para quem produz arte na cidade?
Hoje nós temos uma “mão na roda” que é a UEPB, com o apoio da reitora Marlene Alves. É maravilhoso o investimento da Universidade em cultura. Fazer isso também é investir em educação, pois a arte educa as pessoas. A arte pode até parar uma guerra, quanto mais educar. Nós temos artistas maravilhosos em todos os segmentos da arte. Posso citar vários, inclusive os que estão começando agora. No teatro e na direção de arte, por exemplo, temos ótimos profissionais em Campina. O potencial é muito grande, o que falta é educar as pessoas para investir em cultura. Já para conseguir dinheiro com arte, é preciso ter criatividade. Faz parte do trabalho do produtor cultural arranjar esses tipos de soluções.

As produções independentes no audiovisual crescem cada vez mais, embora alguns diretores iniciantes ainda escondam suas obras, por timidez ou insegurança. Que conselho você dá para quem está engatinhando na profissão?
Eu também estou engatinhando na profissão. Ainda não sei de nada e quero chegar aos 90 anos sem saber. Se eu souber de tudo na vida, não vou querer mais viver. Eu me mato. Só quero viver enquanto tiver muita coisa para aprender. Eu digo que é preciso ter coragem para mostrar seu trabalho. Você não tem como saber se o que faz é bom ou ruim se as pessoas não o veem. Eu já fiz um documentário horrível. Não tem coisa pior do que ‘Da rapadura ao berço da cultura’. É cansativo, a linguagem é errada, tem um monte de erros que hoje eu vejo. Mas, fiz e não tenho vergonha de dizer e apontar minhas falhas. Eu acho que é isso, saber ouvir críticas positivas e negativas.

No trabalho com cinema, o que você considera ser uma boa dose de motivação?
Quando eu vejo no rosto dos meus amigos ou das pessoas que nem me conhecem que meu trabalho deixa alguém feliz. Primeiramente, eu sou muito feliz com o que faço. Se conseguir fazer outras pessoas serem também eu me sentirei motivado. No período de divulgação do Amanda e Monick, por exemplo, eu estava caminhando na rua e fui abordado por um senhor que me pediu um abraço. Como justificativa, ele disse que no dia anterior tinha acompanhado uma entrevista minha em que eu falava sobre o filme. Ele foi assistir o filme, meio que escondido, e logo após, de madrugada, foi bater na porta do filho, que é homossexual. Há três meses o homem não falava com ele, pois tinha colocado o próprio filho para fora de casa. Quando eu vi o depoimento daquele pai, já valeu o filme para mim. É maravilhoso ver que as pessoas encontram algo de bom no que eu faço. Fico muito feliz com isso.

Daqui para frente, quais os principais desafios que você acha que enfrentará?
Eu não sei como vai ser daqui para frente. Talvez eu enfrente muitos desafios. Mas eu acho que o maior desafio é André com André mesmo. É chegar, a cada dia, e dizer que eu posso fazer isso, sempre quebrando os meus próprios limites.

*Entrevista publicada originalmente na sexta edição da revista Por Exemplo, do Departamento de Comunicação Social da Universidade Estadual da Paraíba.
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