artigos × bem estar × joão adolfo mayer × novidades × saúde
Artigo | Renomado psiquiatra campinense comenta sobre os perigos do culto ao corpo
Publicado por Grande Campina
×
Última atualização: quinta-feira, dezembro 01, 2011
Desejar ter um corpo belo, saudável, desejável e sem imperfeições não significa sofrer de um transtorno psiquiátrico ou psíquico. O que passa a ser um transtorno emocional são as preocupações excessivas com a estética corporal, a performance física e a manutenção da beleza a qualquer custo; são as dificuldades traumáticas, da ordem do psicológico, de aceitar as marcas corporais próprias do processo de envelhecimento, adentrando assim paulatinamente no âmbito do patológico, do enfermar psiquiátrico ou mental.
Pacientes com Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) são acometidos de idéias persistentes sobre o modo como percebem, de forma desapreciada e insatisfatória a própria aparência corporal. A Vigorexia (modalidade Muscular de TDC) geralmente acomete os homens, levando-os a ter uma opinião patológica a respeito do próprio corpo, que acreditam possuir massa muscular e musculatura pequena e frágil, mesmo que sejam bem desenvolvidas e dentro dos parâmetros da normalidade. Os pacientes de Vigorexia freqüentemente pensam que os outros estão observando com especial atenção a sua suposta musculatura pouco desenvolvida e ridicularizando-a.
Nos portadores de TDC os pensamentos persistentes sobre “defeitos” na aparência física do corpo beiram ao delírio, além de serem intrusivos à consciência, fora do campo da vontade do indivíduo, impositivos e não desaparecem pela argumentação lógica. Em geral são acompanhados por compulsões ritualistas de se olhar no espelho, ou da busca incessante de médicos, das mais diversas especialidades, que confirmem defeitos físicos imaginados ou ampliados. O TDC pode associar-se, muitas vezes, ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo clássico, à Fobia Social ou à Anorexia Nervosa. Pacientes portadores da enfermidade aqui discutida são geralmente perfeccionistas e podem ter traços de personalidade obsessivos ou esquizóides.
No TDC as queixas se referem a defeitos que envolvem falhas imaginadas ou, se existentes, bem mais leves do que o paciente imagina, tais como queda de cabelos (calvície precoce), acne, rugas, cicatrizes, marcas vasculares, palidez ou rubor, inchação, assimetria ou desproporção de elementos do rosto, pêlos faciais excessivos. Outras preocupações comuns incluem o tamanho ou algum outro aspecto dos órgãos genitais, do nariz, dos olhos, pálpebras, sobrancelhas, orelhas, boca, lábios, dentes, mandíbula, queixo, bochechas ou o formato da cabeça, como também preocupação com o cheiro corporal que exalam, o mau hálito, o odor dos pés entre outras. Embora a queixa seja freqüentemente específica, algumas vezes pode ser vaga, havendo pacientes que apenas relatam serem detentores de uma “feiúra” geral de caráter difuso.
É frequente a busca por tratamentos médicos, dietéticos, dentários ou cirúrgicos para a correção de defeitos imaginados, tratamentos esses que, muitas vezes, são feitos de forma pouco criteriosa, podendo piorar os “defeitos”, e levar a uma intensificação das insatisfações ou a novas preocupações e, em conseqüência, à busca por novos tratamentos. Muitos portadores de TDC realizam cirurgias corretivas desnecessárias, submetem-se a regime alimentar pouco saudável, bem como ao uso de medicações desnecessárias, sem levar em contas os efeitos colaterais e toxidade das mesmas. No que se refere à Vigorexia (Transtorno Dismórfico Muscular), seus portadores começam a dedicar demasiado tempo (em média de 4 a 8 horas diárias) a atividades físicas de modelação (freqüentadores compulsivos de academias de ginástica), resultando desta maneira algum tipo de prejuízo social, ocupacional ou laborativo. Em sua busca compulsiva de um corpo perfeito e sem defeitos, o portador de TDM pode, muitas vezes, concomitante à exagerada atividade física, fazer uso de anabolizantes em grandes quantidades. Tais hormônios sintéticos são esteróides androgênicos anabólicos que estimulam o desenvolvimento de vários tecidos do corpo, aumentando o volume dos músculos, mas que causam também severos danos à saúde.
O Transtorno Dismórfico Corporal tem freqüência equivalente em homens e mulheres, iniciando-se em geral na adolescência, de forma gradual ou súbita, e seu curso é flutuante, tendendo à cronificação. Embora a média de idade esteja em torno dos 20 anos, não é raro que o diagnóstico seja feito mais tardiamente (entre 30 e 40 anos). Os portadores do tipo Vigorexia são, todavia, em sua maioria homens entre 18 e 40 anos.
Pesquisas realizadas nos Estados Unidos da América indicam que entre nove milhões de norte-americanos que freqüentam academias de ginástica, existem perto de um milhão de pessoas afetadas por um transtorno de ordem emocional que as impede de ver-se como são na realidade. A maior prevalência, nesses casos, é do Transtorno Dismórfico Muscular.
Uma das conseqüências do Transtorno Dismórfico Corporal é a esquiva das atividades costumeiras, o que pode levar a um extremo isolamento social e resultar, em casos graves, no abandono do trabalho ou da escola. Também há dificuldades em fazer amizades, iniciar ou manter relacionamentos amorosos, eclosão de intensos sentimentos de inferioridade, ansiedade, variações do humor e necessidade compulsiva de estar sempre comparando a sua estética corporal com a de outras pessoas. Quadros depressivos severos com ideação suicida (ou suicídio consumado) podem ocorrer, assim como repetidas hospitalizações.
Não cabem dúvidas sobre a importância do elemento sociocultural (culto exagerado a beleza e sua associação com o sucesso e fama) no desenvolvimento e incidência do Transtorno Dismórfico Corporal, nem de que esta patologia esteja de alguma forma relacionada ao desequilíbrio de diversos neurotransmissores do sistema nervoso central, mais precisamente da serotonina. Tal correlação deve-se à resposta positiva dos medicamentos bloqueadores seletivos da recaptação de serotonina, com melhora significativa das queixas caracterizadoras do Transtorno Dismófico Corporal. O uso de antidepressivos e ansiolíticos no tratamento da enfermidade aqui discutida, no entanto, deverá se fazer acompanhar de uma psicoterapia, com o objetivo da melhora da auto estima, do narcisismo patológico, da superação do medo de rejeição, bem como para a resolução de situações conflitivas de natureza psicológica, e também de sequelas de fracassos sociais vivenciados pelo portador desse distúrbio.