Artigo | A mulher das cem peças


Eu nunca gostei da palavra ‘mimosa’ por achar que ela sempre era associada a alguma coisa brega, frágil, meio mole e quebradiça. Mas depois que entrei pela primeira vez na casa de Lourdes Ramalho, foi justamente essa palavra que me veio à cabeça, e com o sentido contrário. A casa era mimosa mesmo, tu precisava ver: a sala, o modo como as paredes eram enfeitadas com fotos, cadeiras de madeiras talhadas, cadeira de balanço típica de avó. E Lourdes, ela própria, era um mimo: pequena e gordinha, veio arrastando a chinela e ajeitando os cabelos assim que bati à porta. Entrei e senti um cheirinho bom de feijão, era quase hora do almoço.

Era estranho confrontar a ‘tuia’ de informações que eu trazia na cabeça com a imagem da mulher que estava à minha frente. Desenhava na minha imaginação a dramaturga Maria de Lourdes Nunes Ramalho, de 87 anos, que possui mais de 100 peças de teatro escritas, que já teve os trabalhos dela estudados por uma pesquisadora de Portugal, que durante a carreira teve textos estudados por inúmeros professores, que as peças dela foram montadas nas mais diversas partes do país. Que ela possui influências culturais da família, formada por artistas, educadores, repentistas e cordelistas.

Mas quem abriu a porta passa longe de ser uma mulher parruda, meio sisuda ou prepotente diante de tanta coisa assim, importante, carregadas nas costas. Era tudo tão ao contrário. Quem me recebeu foi uma senhora baixinha, tão apaixonada por Teatro que construiu um ali mesmo, no quintal de casa, onde recebe uns amigos “para tomar um vinho, conversar, assistir algumas encenações”. Uma descendente de Judeus, que ama falar sobre isso. Sentou-se frente à máquina de escrever e começou a me contar histórias. Misturando feira, judeu, teatro e o que mais chegasse à sua cabeça naquele instante.

Eu tinha medo de falar besteira, de fazer alguma pergunta sem sentido ou pior: ficar muda diante dela e não perguntar nada. Realmente, não perguntei. Eu só olhava e deixava que ela falasse tudo quanto achasse necessário. E foi assim. Eu não tinha a pretensão de entender muito dela, às vezes é preciso ter humildade para saber que certas coisas são impossíveis de escrever, catalogar, publicar. A gente só senta, ouve, acha bonito e fica assim... encantada, só olhando.


Lourdes Ramalho - A artista nasceu no início da década de 1920 no sertão de Jardim do Seridó, na fronteira do Rio Grande do Norte com o estado da Paraíba e mora em Campina Grande há mais de 60 anos, considerando-se uma autêntica campinense. Com mais de 100 peças de teatro escritas, a maioria com temáticas locais, considera-se uma apaixonada pela cidade. “Adoro Campina, especialmente a feira. Dentro de todo o mundo, essa é a cidade melhor do mundo que tem para se viver”, declarou. Agora ela se prepara para lançar mais um livro, intitulado Os Judeus no Nordeste, mais uma demonstração de intimidade com a história local.

Por Ligia Coeli | Foto: Chico Martins
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